Precedido por distopias como The Sound of His Horn ( década de 50 ), Philip K. Dick cria uma obra de uchronie baseada na perturbadora hipótese de as forças do Eixo terem saído vencedoras do último conflito bélico mundial. Esta conjectura não tem nada de aberrante para quem sabe um pouco de História do Séc. XX. O palco principal do enredo será os US, divididos pelos dois “pesos-pesados” – Japão e Alemanha. O what if relacionado com o regime Nazi gera sempre fascínio, por muito que se deteste a doutrina que o suportou, por este estar associado não só a uma certa aura mística como também a um grau de desenvolvimento tecnológico que, a ter tido continuidade, teria sido certamente capaz de superar o “real” – o autor não negligencia estas enormes oportunidades. Obra complexa e com bastante profundidade ( arrisco mesmo o termo existencial ), incide sobre a vida nessa América ocupada, sem descurar detalhes que acabam por dar ainda mais condimento à história, caso se entenda correctamente o seu contexto e utilização – ler este livro sem conhecer minimamente as décadas de 30 e 40 poderá mesmo não resultar! Mas há algo mais por detrás desse relato – A percepção do que é realmente real e uma ideia de real but wrong (1) e que esse wrong tende sempre a encarrilar novamente no caminho correcto. Dick consegue até colocar a “alternativa dentro da alternativa”! “The Grasshopper” tem muito que se lhe diga! Quanto ao tão criticado final, não me parece que seja apenas uma excentricidade em voga (como diferença) na literatura da época. Não creio que fosse essa a intenção. Haveria tanto para dizer sobre esta obra mas o perigo dos spoilers, neste momento de lançamento nacional, remete-me ao silêncio. Aconselho aos apreciadores do género e não só!
Vem este texto a propósito de ter descoberto que esta obra irá ser publicada (Já? Ironic!) pela SdE. Maior garante de qualidade é o facto de a tradução estar a cargo do autor David Soares. Além do mais tive o prazer de constatar que, ao contrário de outros tradutores da nossa praça, o David não se coloca em bicos de pés para debicar o estrelato alheio. Sem dúvida uma virtude! Temos ainda um ensaio de Nuno Rogeiro – a ler!
(1) “The universe will never be extinguished because just when the darkness seems to have smothered all, to be truly transcendent, the new seeds of light are reborn in the very depths” P.K. Dick
Hum, recordo que no início da década de 90 o Nuno Rogeiro publicou um ensaio sobre Philip K. Dick na quase extinta revista “Futuro Presente”, estou curioso para ver se se trata de uma actualização desse ensaio ou de um completamente novo.
Seja como for, parece-me um volume a não perder (e sou insuspeito no que toca ao Nuno Rogeiro).
Ah, se bem que não compreendo o endeusamento de David Soares, acabei por não aproveitar o Verão para ler um livro dele na praia, quiçá no Natal encontro algum na minha meia.
Todos os elogios e epítetos de “melhor autor” acabaram por ter o efeito contrário, afastando-me dos seus livros… e sendo eu versado em política e história, ler o seu blogue contribuiu ainda menos para a vontade de o ler.
Não há aqui qualquer “endeusamento”. Estou apenas a referir que ele deverá ser o garante de uma boa tradução. Nem sequer falei dele em termos de autor – isso fica para outra ocasião. E gostei de ver que ele não tem os narcisismos de alguns tradutores de Portugal que cacarejam como se fossem eles os autores das obras que traduzem. Sou a única a notar isso?
Desculpem o “cacarejam” mas não consigo ter o tal tom “neutro”.
É provável que sim.
Eu sou tradutor, mas para fugir exactamente a esse preconceito nos livros surge somente o nome da entidade ou da empresa para a qual traduzi a obra, assim não se fulanizam as traduções.
A Andreia tem uma escrita bastante agressiva, adorava ler uma coluna sua sobre política 🙂
🙂
Fico sempre baralhado quando se usam termos estrangeiros como “uchronie”, “ut wrong ” e “what if “, em vez dos portugueses. Será que para se ser culto é necessário isto?
Mas não ficando por aqui: “Maior garante de qualidade é o facto de a tradução estar a cargo do autor David Soares. Além do mais tive o prazer de constatar que, ao contrário de outros tradutores da nossa praça, o David não se coloca em bicos de pés para debicar o estrelato alheio.», onde param então as magníficas traduções do David e quem são os outros que se colocam em bicos de pés?
Fico também para ver se quando falar da obra do David vamos ter endeusamento ou não.
Uma coisa desde já segura é o uso, melhor abuso que ele pratica nos seus textos, de termos que caíram em desuso e que no contexto que são usados apenas denotam uma necessidades de demonstrar erudição. Espero que estes tiques se não notem nas traduções.
será apenas necessidade de demonstrar erudição? Ou será que o David Soares pretende ensinar-nos alguma coisa e pôr-nos a pesquisar aquilo que, por ter caído em desuso, não percebemos, em vez de simplesmente ler-mos os seus textos?
A faceta de educador não transparece minimamente nos textos e muito menos no blog.
Existe uma abissal diferença entre tentar elevar o vocabulário alheio ou passar por erudito.
Já tive criticas sobre o tom, o teor, faltava a linguagem… Mas tudo bem.
O meu exilium, caro Holstein, dá-me liberdade moral para usar os estrangeirismos que me venham à cabeça.
Quem são os que se colocam em bicos de pés? A minha esperança é que essa seja uma pergunta de retórica. Apesar da minha estreia truculenta, não podem esperar que vá ser eu a fazer a papinha toda, pois não?
Quando eu falar de algum livro do David Soares, vá falar mal ou bem, isso é comigo e apenas comigo. Ponto final! Os “choques” que possam haver entre ambos são problema vosso. Resolvam-no como quiserem. Mas não mexam comigo…
Sei quem é e sempre me chamou a atenção por dar a cara à “luta”, muitas vezes ( quase sempre ) sozinho. Reflicta sobre isso antes de se juntar a qualquer turba que queira atacar uma dama indefesa com eu. 🙂
Eu gosto imenso de ver chamar os bois pelos nomes. Assim nada tenho a apontar quando alguém o faz, seja macho ou fêmea, tal como em nada me aflige a truculência logo que coerente. Dito isto, é bom de perceber que o que apontei se prende exclusivamente com o uso de palavras em outras línguas, quando tão bem fica,ucronia em português. Não sabia que o exílio concede liberdades especiais, mas não deixe que isso a afecte. Pena é que já esteja a a utilizar o dito popular de que “cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém”, quando se trata de nomear os coitados.
Não existe qualquer choque entre mim e o David Soares pelo que a sua insinuação vem a despropósito e seria fácil de evitar, pois diz saber quem sou (eu não posso dizer o mesmo de si) e assim sendo sabe que quando existe conflito seja de que espécie for, tenho por hábito ser frontal e tratar do assunto com a parte em causa, seja ela qual for.
A minha geração foi ensinada a não bater, num ser do sexo feminino, nem com uma flor, tal como não tenho o hábito ou sequer vocação de me juntar a turbas, sejam elas de que espécie forem, pelo que os seus receios são de todos infundados.
Confesso assim que o espírito de manada não se coaduna com a minha forma de estar, pensar ou agir.
É pena que quase ninguém esteja a falar no livro… Era isso o mais importante.
Andreia: Uma dama indefesa? Essa é boa… Nem é preciso conhecer-te para saber a ironia subentendida… Tu és tão indefesa como um Panzer ( aproveitando a onda do livro ) e surges sempre com igual espalhafato.
Por agora não tenho nada mais para te dizer…
Esqueci de referir no outro post que quando li este, vieram-me à memória uma mistura de cozido à portuguesa e “Cok Tjú Pá Fán” e “Minchi”, numa primeira degustação e na segunda uma mistura de cozido à portuguesa saloio e “Gombás rizs”.
Voltei a ler e apesar do “exilium”, tudo me aponta para um cá dentro.
Céus, a Andreia já me arrancou uma gargalhada, daquelas dadas com prazer!
Já acompanhava a qualidade dos seus textos, embora constrangidos pela brevidade, que iam pontuando o blog do Pedro Ventura. A confirmar a promessa dos anteriores, estes textos mais extensos no Correio têm-me deliciado, tanto pela acutilância como pela descontracção com que “mistura” vários registos de linguagem (afinal, o que fazemos normalmente no dia-a-dia, nesta cultura “ensopada” de globalização e geekiness). Se lhe serve de consolo, pelo menos neste lado nunca foi confundida com eudição-em-bicos-de-pés.
Quanto ao David Soares, um primeiro aparte para dizer (ironicamente) que bem merecia ser endeusado! Pelo menos, por ser o autor mais prolífico do fantástico nacional (dando o facto de ser um dos de maior qualidade de barato…). É que, nos dias de hoje, muitos vivem de glórias passadas ou de n-logias que ainda escreverão, mas a poucos vejo a “partir pedra” todos os dias, e a publicar com consistência (e uma qualidade palpável, e crescente), como faz o David.
Quanto à sua produção, especialmente como tradutor, a informação está bem visível na net:
http://bibliowiki.com.pt/index.php/David_Soares
Um abraço,
Rogério
É sempre bom ver que continuamos atentos.
Uma lista destas:
Romances traduzidos
* A Voz do Fogo
* O Caderno Secreto de Leonardo
Colectânea traduzida
* Eu Sou a Lenda (com Fernando Ribeiro)
Ficção curta traduzida
* Filho do Sangue
* Nascido de Homem e Mulher
* Os Filhos de Noé
* Perto da Morte
* Pesadelo a 20.000 Metros de Altitude
* Presa
não é manifestamente extensa para ser considerada relevante, a não ser que no caso em causa, os critérios sejam outros.
Passando um pouco ao lado das azeitonas e embalgens de manteiga, sigo para o prato principal, este livro. È apelativo! Para mim, como “autodidacta” da Segunda Grande Guerra, era daqueles não podia ter deixado de ler. Sim, a ideia base do livro é fascinante, apesar de assustadora… Esta “alternativa” ser real não é realmente nada absurda. Por diversas vezes, o resultado foi incerto e a derrota Nazi também se deveu muito a erros dos próprios – e de Hitler. E se o ME 262 não tivesse sido atrasado? E se a Batalha tivesse durado mais dois dias? E se Hitler não tivesse tido a teimosia de tomar Stalingrad? Se? Se? Demasiados “Se” que por vezes foram “pequenas” decisões… Chegamos a concordar com Dick. Por vezes parece haver “algo” que leva as coisas para um determinado caminho.
Há pano para mangas no imaginário do que poderia ter sido um mundo com um Reich a durar pelo menos 100 anos… É um bom exercício mental. Ida à Lua em 69? E que tal em 59?…
Mas não se espere um livro de acção, de partizans de arma em punho. A luta neste livro é quase “imperceptível”. Acho é que Dick retrata os Japoneses com uma estranha suavidade.
Nota: Onde refiro “Batalha”, refiro-me obviamente à Batalha de Inglaterra.
Bom, eu é mais Filipe Faria… o resto não comento, tratam-se de amizades e cumplicidades, talvez até de algum companheirismo político, e como editor é contra-produtivo criar mais anticorpos expressando opiniões pessoais acerca de terceiros.
Flávio,
«… como editor é contra-produtivo criar mais anticorpos expressando opiniões pessoais acerca de terceiros» e acho que tens razão. Tenho contudo ideia de teres escrito seres anarquista.
Apanhou-me, isso por si só já cria alguns anticorpos 🙂
eu também sou anarquista quando fico desempregado ou quando não me apetece fazer nada…
Era mesmo isto que queria escrever?
Bom, ele há grandes ignorâncias políticas e históricas que saltam à vista, parece-me um caso destes.
O livro é bom, tal como Duna do Herbert. Até aqui nada. Estranho contudo o silêncio em torno destas republicações.
«Se bem me lembro» sempre que tal acontece, os do costume, aparecem e desfazem o editor por voltar sempre ao mesmo. Republicar obras antigas. Existirá alguma diferença desta vez? Ou será que ainda estão de férias? Que distraídos eles não andam!
Segundo o facebook da autora deste post e do outro que estava apagado, foi ela que apagou os posts. Aconselho o Roberto a falar com ela para ver se ela quer que estes posts continuem aqui ou não.
Pelo que entendi, a Andreia retirou-se por se sentir afrontada, apesar de ter dado a entender que não era de se deixar intimidar, mas acredito que deixe ficar os posts.
A ver vamos!
Álvaro,
Coloquei o link a título informativo, porque incomoda-me sempre quando se criam discussões “no abstracto”, quando a informação está à distância de uma página. A partir daí, cada um analisa a relevância pelos seus próprios padrões.
Um abraço,
Rogério
Rogério,
Isso é bem verdade e realmente existem padrões e padrões. O link seria informativo para quem não soubesse da existência do David Soares e seu blog, aqui é meramente uma forma de provocação ou de publicidade (escolhe a que te aprouver), mais não fosse pela formulação: «… quando se criam discussões “no abstracto”, quando a informação está à distância de uma página.»
Considerar o David um tradutor de excepção é o mesmo que comparar o VGM com o Eduardo Saló. Mas como afirmas «cada um analisa a relevância pelos seus próprios padrões.»
Abraço,
Álvaro
“E gostei de ver que ele não tem os narcisismos de alguns tradutores de Portugal que cacarejam como se fossem eles os autores das obras que traduzem. Sou a única a notar isso? ”
Não, não és a única.
Acho que já toda a gente reparou nos narcisismos do David Soares!
O do David é diferente! Os dos outros nem para criados!
Álvaro,
É pena que tenha achado provocação ou publicidade, quando era somente relacionado com a sua pergunta: “onde param então as magníficas traduções do David”. Particularmente o livro do Alan Moore não terá sido pêra-doce de traduzir.
Se faz perguntas das quais teme as respostas, não as faça!
Quanto a “e quem são os outros que se colocam em bicos de pés?”, tenho a minha opinião formada e, pasme-se, até é alguém que também trabalha para… a Saída de Emergência!
Céus, Álvaro, lá se vai o edifício da sua grande conspiração de “uma fidelidade levada ao extremo, por funcionários, ex-funcionários, directores ex-directores de revista, tradutores e outros que saltam sempre que alguém diz algo que contradiga a propaganda da editora, sobre excelência das suas edições, autores, traduções.”
É no que dá falar-se do que não se sabe…
Um abraço,
Rogério
Rogério,
Começo por me desculpar da imensa indelicadeza que foi confundir a sua inocência e vontade de partilhar os seus conhecimentos, com provocação ou publicidade. Contudo a minha pergunta também era inocente e deriva da minha pouca habilidade para pesquisar na rede. Pensava que estivesse a par dessa minha incapacidade.
“Se bem me lembro” quem questionei sobre “quem são os outros que se colocam em bicos de pés?”, foi a Andreia, pelo que é manifestamente irrelevante quem acha ou não ser o tal ou tais. Foi ela que afirmou e foi ela que respondeu assim: «Quem são os que se colocam em bicos de pés? A minha esperança é que essa seja uma pergunta de retórica. Apesar da minha estreia truculenta, não podem esperar que vá ser eu a fazer a papinha toda, pois não?», ou seja esquivou-se.
A resposta que se pretendia não foi dada e a sua é uma resposta conveniente ao momento e talvez até mais que isso, pois parece ter um destinatário claro. Mas quem sabe lá estou eu a ver perversidade, onde apenas brota inocência pura.
Fantástico é também o facto de se incluir na classe os fiéis, o que é só por si sintomático e revelador. Fantástico é, também, considerar que por afirmar «Quanto a “e quem são os outros que se colocam em bicos de pés?”, tenho a minha opinião formada e, pasme-se, até é alguém que também trabalha para… a Saída de Emergência!», isso demonstra isenção e que tal provoca o derrube do «… edifício da sua grande conspiração …».
É sempre bom ver que acompanham o que escreve-mos e, já agora, esclareça-me de que conspiração fala.
Abraço,
Álvaro
Álvaro,
Não me incluo na classe de “fieis”, apenas na de “ex-director de revista”, já que a SdE só teve a revista Bang!, da qual penso que terei sido o único ex-director (tendo a veleidade de “descontar” o Nuno Fonseca, que creio se terá desligado do projecto antes de ter assumido efectivamente essas funções). É difícil não me sentir apontado quando a referência feita por si se traduz numa multidão de uma pessoa!
Como pode constatar, é lido com atenção. Aparentemente com mais atenção até do que escreve.
Ao referir que tenho uma ideia sobre de quem a Andreia estava a falar, obviamente não ia nomear a pessoa porque estaria a colocar na boca da Andreia um nome que ela não proferiu, e até pode não estar a pensar.
Terá um destinatário? Bem, quem perceber de quem estou a falar, perceberá as razões. Aos restantes, não aquecerá nem arrefecerá. Ao próprio do visado garanto-lhe que ele acredita tanto no que diz que não se sentirá afectado por alguém achar que eles se “mete em bicos de pés”.
Um abraço,
Rogério
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