Apresento-me.
O meu nome é Paulo Fonseca. Talvez já me conheçam de alguns comentários feitos aqui no Correio ou até do meu blog http://imperioterra.blogspot.com, ou quem sabe do livro que publiquei, através da Papiro, em Fevereiro de 2008 – Império Terra: o princípio. Para quem não faz a mínima ideia de quem sou, digo que sou escritor.
Escrevo, de preferência, no género Fantástico. No entanto, não excluiu outros géneros do meu currículo, pois é minha firme crença de que todos os géneros são importantes. Cada género poderá conceder-nos diferentes emoções e todas elas avassaladoras.
Por isso, se eu acredito no que disse acima, não convivo bem com a forma como o Fantástico é tratado em Portugal, e não só, tal como não sou o defensor da ideia de que é só o Fantástico em Portugal que está mal.
Em Portugal toda a literatura está mal. Isto é fruto de alguns vícios de variada espécie sobre os quais não me irei alongar – poderão ler mais sobre isso no meu blog, ou na minha entrevista dada à Alterwords nº 8. E foi para combater esse mal que me foi lançado este desafio. Promover, falar e criticar os livros dos novos autores em Portugal, num discurso ponderado pelas dificuldades que senti e sinto ao sê-lo também – um novo autor. É claro que a ênfase será sobre o Fantástico e sobre Portugal, mas conto também trazer-vos novidades do estrangeiro e, talvez, sobre outros géneros.
É assim que me lanço com meu cavalo branco, de pena em riste, escudado por uma couraça de coragem, em defesa dos novos autores. Eu farei deles gigantes a quem tudo nada mais fará do que uma pequena mossa, mossa essa que irá acumular sabedoria para melhorar de dia para dia. Porque ser-se escritor é aprender todos os dias um pouco, não só da vida, mas também do acto de escrever, experimentando coisas novas, palavras, estilos, frases, visualizações de cenas, etc. É um caminho solitário, porque não há uma fórmula mágica. E não! O Paulo Coelho não é o feiticeiro que a conhece! Escrever é um trilho que se faz pé ante pé.
Foi-me pedido que falasse do meu livro: Império Terra: o princípio. Devo confessar que não me agrada muito a ideia. Soará um pouco a auto elogio e isso não é bem visto. Portanto, não vou falar sobre a qualidade da obra. Vou falar da obra em si.
Império Terra: o príncipio nasceu quando eu tive a ideia de escrever sobre um cenário Pós-Apocalíptico. No entanto, não queria criar uma história com os clichés habituais: Guerra Nuclear, Asteróides, etc. O que eu queria era criar uma realidade em que, de repente, o Homem perdesse somente a sua tecnologia e ficasse totalmente dependente de si próprio, em que o Homem se visse obrigado a abandonar as cidades intactas, a deixar para trás todos os equipamentos electrónicos em que confiava, porque de nada lhe serviam – já não passavam de objectos com menos utilidade do que uma pedra da calçada. Apenas tive de arranjar uma causa. Essa causa é mencionada no livro, embora de forma subentendida, pois o que se pretende que se leia o 2º e o 3º livros – previstos. E para isso construi uma outra história que será contada no 2º volume do Império Terra (que está concluído e a aguardar publicação, enquanto escrevo o 3º).
Escrever este livro deu-me muito gozo. É um livro que foi escrito numa folha de suspense e que aposta na acção. Os leitores anónimos que já me fizeram chegar a sua opinião dizem que é um livro em que é difícil parar de ler e que chegam a sonhar com história. Isto parece-me boa critica!
Deixo-vos com o primeiro capítulo:
«Lisboa, 24 de Outubro de 2029
Hospital de Campanha 1,
16h:43m12s
Acordara numa enfermaria do hospital de campanha 1.
Quem lhe dissera onde estava fora uma enfermeira de olhos grandes e assustados, cuja rapidez com que respondera à sua pergunta fora suficiente para perceber que estavam com muito trabalho. Dali de onde estava via uma agitação muito grande nos corredores, e ouvira comentários soltos de que os hospitais estavam lotados, e mesmo os de campanha, como aquele, já estavam a rebentar pelas costuras.
Infelizmente continuava a não saber o que se passara. As últimas memórias que tinha colocavam-no no cimo dos passeios suspensos de Lisboa, depois de ter visto no noticiário que alguma coisa atingira o Terreiro do Paço, momentos antes de ter adentrado pelo fumo espesso e visto a grotesca figura que se bamboleara vertiginosamente na sua direcção, acabando por o obrigar a atirar-se de uma altura de 14 metros – coisa que não faria no seu perfeito juízo. No entanto, se naquele momento procurava saber o que acontecera, isso continuava sem ter sido respondido e consequentemente ainda era uma necessidade.
Talvez por ser um hospital de campanha, não vira nenhum ecrã de
televisão, e sabia que não se tratava de um edifício recente, porque as paredes estavam escuras e com manchas de humidade. Perguntava-se sobre o que é que teria acontecido de tão grave assim, para que empontassem as pessoas para aquele tipo de condições. Teria rebentado a guerra entre o bloco nipónico-chinês e o bloco euro-americano?
Não seria de estranhar. Ainda há cerca de 6 anos, as coisas haviam estado tremidas… Nessa época imperara o bom senso, mas ninguém esquecia a cara do líder nipónico-chinês jurando vingança. Se calhar fora isso que acontecera: o bloco asiático, que viera ganhando forças e apoio dos países que tinham, por segunda cultura, o ódio aos EUA, e a todos os seus aliados, haviam finalmente soltado a sua raiva e atacado a Europa que, surpreendida, ainda não conseguira organizar a defesa. mas tudo isto eram conjecturas…Se, ao menos, tivesse as suas coisas consigo, talvez pudesse saber de algo mais.
Estranhamente haviam deixado a sua mochila ao lado da cama. Realmente algo de muito grave teria de estar a acontecer, porque nunca se deixavam os pertences com os pacientes. Uma primeira vistoria revelava que o seu telemóvel funcionava, apesar das redes não estarem disponíveis, e o seu portátil estava bem acondicionado.
Abençoada a hora em que lhe instalara uma placa de TV de última geração!
Se tivesse bateria conseguiria aceder às emissões da BBC News, da Euronews, da CNN… Alguma cadeia de televisão explicaria o que passava…
Não sabia se era da sua cara, ou fora a ânsia por informações frescas, pois haviam ali pessoas com ar de quem não via a luz do dia há mais de uma semana, mas assim que se começaram a ouvir as vozes nas micro colunas do computador uma pequena multidão acercou-se da sua cama…
As reportagens eram datadas de 17 de outubro, mas estavam a repetir-se ciclicamente, como quando havia problemas técnicos: as mesmas imagens, umas atrás das outras, as mesmas informações…
Aparentemente algo grave parecia estar a suceder por todo o mundo, embora a ausência de informações fosse a única coisa afirmada
pelos repórteres – Afinal, Lisboa fora apenas mais uma das cidades atingidas – e apesar de ninguém adiantar números calculava-se que existiriam mortos e feridos em grandes quantidades. os governos e os militares estavam em blackout, ou acreditava-se que assim era, e o caos espalhara-se por quase todo o mundo, havendo rumores de que as forças militares haviam sido eliminadas.
– Que raio se passa aqui? – pergunta uma voz irritada – Não têm doentes para tratar? Vamos embora a circular: estão a chegar mais 30 em mísero estado senhoras enfermeiras e senhores enfermeiros! – aquele que parecia um médico sorriu-lhe quase ironicamente depois de todos dispersarem – Não sabe que os aparelhos electrónicos não podem estar ligados nos hospitais? – pergunta dando uma valente sapatada no portátil com intenção de o fechar.
– Posso sair?
– É claro que não Sr. Gabriel! Já viu o seu estado?… – pergunta admirado apontando para os vários tubos que o cercavam, nos quais ainda nem reparara– Que lhe deu para saltar lá de cima? – pegou naquilo que deveria ser a sua ficha médica – Teve muita sorte… Afinal está aqui há uma semana, não partiu um único osso, e já acordou do coma…
– Do coma?!
Questionou admirado. Ninguém lhe tinha falado do coma! Pensara ter acordado de um desmaio normal, apenas.
Omédico falara numa semana?!
Isso significava que estariam no dia vinte e qualquer coisa e que as televisões não emitiam novas notícias desde o dia 17…
– Mas o que é que se passa?
– Não viu no ecrã do computador?! – o médico estava a ser irónico, provavelmente por estar farto de atender pessoas. Tinha o rosto cansado e mal-humorado – Nós não sabemos mais do que isso. – diz assinando a ficha – Vamos mandá-lo para um quarto privado! o seu seguro cobre isso e além do mais vamos precisar da sua cama. Estão a chegar feridos a todo o instante… E mortos também, mas esses preocupam-nos menos! – tentou gracejar – Daqui a pouco começarão a ser
um problema! Aparecem aqui sem documentos, desfigurados, e as famílias não parecem preocupadas… – silenciou-se entristecido – Talvez nem tempo tenham para se preocupar…
– Mas tudo isto por causa da explosão no Terreiro do Paço?
– Isso foi o começo! – exclama entregando-lhe umas muletas e retirando alguns dos tubos – Depois disso tudo piorou… – sorri – Omundo enlouqueceu. – volta a gracejar ajudando-o a sair da cama – Já montamos hospitais de campanha, como se estivéssemos em guerra… a União Europeia não diz nada … minto! – interrompeu-se de dedo no ar – A última coisa que a UE nos disse foi para montar-nos Hospitais de Campanha! – sorri do sarcasmo – Em todo o planeta está a acontecer o mesmo.
– E os militares estão a prestar auxílio aos civis? – perguntou pensando ser uma pergunta inteligente, afinal estava num hospital de campanha, mas a cara do médico embaraçou-o – Não?! Então?
– Essa é uma pergunta que estará na cabeça de todos os homens e mulheres do mundo… Eclipsaram-se da face da Terra – responde ajudando-o a encaminhar-se para o elevador no meio daquela confusão – Nem forças europeias, nem americanas, nem Euro-americanas, nem nipónico-chinesas. os governos fecharam-se em copas e as comunicações por telefone estão mortas. Estou admirado de como o seu portátil conseguiu aceder a imagens de televisão!?… – aquela observação soara-lhe a uma pergunta rasteira. Paciência: valera-lhe a desconfiança que sempre tivera do mundo e os amigos que lhe equiparam o computador com software especial – Estou em casa uma noite por semana e a minha televisão parece a praga bíblica dos gafanhotos; o rádio assemelha-se a uma cacofonia de agudos e graves… Apenas a Internet está a funcionar…
– Ao menos mantém-se em contacto com os amigos e família… – voltou a ficar embaraçado com o olhar de soslaio do médico.
– A maioria das mensagens aparece distorcida… – pôs um ar pensativo – Creio que os entendidos chamam-lhe bugs ou scramble. Nem da minha mulher sei… – sorri tristemente – Somos médicos em hospitais diferentes. Eu de dia e ela de noite. Só sei que está viva, porque quando chego a casa a cama ainda está quente, e o perfume dela está nos lençóis – explica quando entram no elevador que os levaria ao piso dos quartos – Todos os dias espero sair um pouco mais cedo para a apanhar em casa, porque nem a folga é no mesmo dia… – suspira – Mas ultimamente nem do hospital tenho saído… Aparece sempre um maluco que resolveu atirar-se dos passeios suspensos… – Gabriel não conseguiu evitar um sorriso. Aquele médico estava a fazer os possíveis para manter a boa disposição, apesar de tudo – Venha! o seu quarto é ali… – indica apontado a número 15 – Terá três companheiros de infortúnio, mas não espere grandes conversas. Estão em estado de choque… Dizem ter visto coisas… – sorri – Filmes a mais! Contudo, há já uma semana que estamos aqui e…
Mas vou ficar internado porquê?! – interrompeu ao sentir o embaraço na voz do médico.
– Porque acabou de sair de um coma. – afirma diminuindo o tom de voz para não ser ouvido – São as ordens que temos. Quem não estiver bom a 100% fica, porque lá fora não está bom para ninguém… – Gabriel repara então que as janelas estavam entaipadas – ouça – chama a atenção ainda mais baixo – Ninguém sabe o que aconteceu ao certo, mas aconteceu alguma coisa muito grave… Você até tem acesso a informação privilegiada! – volta a observar sorrateiramente – Talvez me possa vir a dizer alguma coisa… mas é tudo muito estranho – diz sentando-se na beira da cama. – A última vez que lá fui fora, as pessoas andavam assustadas, corriam a esconder-se ao mínimo barulho… o fumo foi invadindo as ruas, escurecendo o céu… Sente-se uma opressão no ar, um medo insano vai tomando conta de nós! As pessoas, distraídas, provocam acidentes rodoviários e depois fogem sem prestar assistência aos feridos, deixam os carros a arder… – diz abanando a cabeça – Está tudo louco Gabriel… – sorri – Ainda pensamos em analisar o fumo, para averiguar se seria alguma substância nele… mas depois os feridos foram chegando, os mortos… – volta a sorrir com condescendência – Acredite em mim, quando lhe digo que está melhor aqui…
– Obrigado pelo que contou…
– Eu é que agradeço, poucos tem paciência para me ouvir… – diz afastando-se – Ah! Antes que me esqueça… se tem forma de ouvir o seu computador em silêncio será melhor para todos…
Aquele último conselho, dado com algum medo no olhar, deixara-lhe claro que, realmente, alguma coisa grave se deveria ter passado. E pior do que isso, as pessoas desconheciam em concreto o quê! Reparara que o médico utilizara as expressões «Bug» e «Scramble» para definir o estado das mensagens nos e-mails, desculpando-se com o facto daquelas serem as expressões mais utilizadas entre os conhecedores, quando na verdade eram usadas para referir uma codificação provocada. Calculava que todo aquele blackout informativo, a impossibilidade de se comunicar livremente por telefone e telemóvel, e a inexistência, pelo menos visual, de governos e militares já tivesse criado um clima de conspiração. Haveriam pessoas a dizer, com certeza, que o blackout era forçado e que as mensagens de e-mail estariam a ser encriptadas propositadamente.
Gabriel deposita a sua mochila bem perto de si. Aparentemente o seu equipamento valeria milhões naquele momento, e deitou-se, tão confortável quanto o possível, na cama. Assim que os seus companheiros de quarto adormecessem iria tentar contactar um certo amigo seu. Teorias da conspiração eram com ele, e se se passasse alguma coisa a esse nível ele saberia.
Quando a enfermeira o acordou verificou que já passava das 22 horas. Tomou os medicamentos que lhe deram, excepto um comprimido azulado. Sabia que aquele comprimido era para dormir: depois de ver a sua mãe a toma-los, anos e anos seguidos, conhecia a sua forma e a sua textura à distância. Calculava que o trabalho deveria ser imenso para quererem forçar as pessoas a dormir… Deixou-o debaixo da língua, enquanto bebia água, e aguardou que a enfermeira saísse para o deitar fora.
Adormecera logo após a refeição que tomara às 18h30m, mas agora queria aproveitar a noite para investigar através do computador. Os seus companheiros não tardariam a adormecer.
Tinha de falar com o médico, cujo nome não sabia, para saber se poderia recarregar a bateria do computador ali no quarto. Era uma das melhores baterias, mas não era eterna.
Os companheiros adormeceram. Gabriel colocou uns fones nos ouvidos e ligou-os ao portátil. Tinha várias mensagens não lidas. Praticamente todos os seus amigos o haviam tentado contactar. Algumas mensagens datavam do dia em que se armara em pássaro, outras posteriores. As mais antigas eram mensagens normais de contacto «olá! Como estás? (…)». Tinha um convite da Petra para passar o fim-de-semana… – ansiara tanto, e fizera tantos planos para aquele fim-de-semana – Calculava que já não estivesse de pé! Todas as restantes mensagens estavam Scramble… Tinha 4 do Patrick – o seu amigo das teorias da conspiração.
Após fazer correr o Software de desencriptação que Patrick desviara – nem queria saber de onde – foi surpreendido por imagens difusas, muito escuras… »
In, Império Terra: O princípio, pgs. 9-15, FONSECA, Paulo, Papiro Editora, Fevereiro 2008
Aprendi muito
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